Thursday, January 18, 2007

DIA 22 - VIEDMA - CASILDA


Saí de Viedma empolgado com a perspectiva de estar cada vez mais próxima de casa. É engraçado... até chegar lá em Ushuaia, a viagem é uma curtição... a partir do início da volta, a vontade é de chegar o mais rapidamente possível. Rumei para Baia Blanca considerando trocar o pneu por lá. Mas, chegando lá, analisei as condições do Michelin e entendi que ele ainda tinha alguma lenha pra queimar. Assim sendo, deixei pra trocar o pneu em Rosário, que seria meu destino final do dia, uma vez que Rosário é uma cidade ainda maior (aumentando a probabilidade de achar o pneu facilmente) e que, indo direto, eu chegaria lá ainda bem cedo, com tempo de sobra pra efetuar a troca e ficar pronto para o dia seguinte. Bad, bad decision...

Saí de Baia Blanca e toquei rumo ao Norte, em ritmo forte, a essas alturas, já com calor forte na nuca, pois o frio do Sul já havia ficado pra trás há tempos. Lá pelo meio do caminho de cerca de 800 km até Rosário, parei pra abastecer e me assustei com a análise do pneu. O que ainda restava de borracha havia ido, e já se via a lona em vários pontos do pneu. Provavelmente, o ritmo forte e o calor exagerado aceleraram ainda mais a deterioração do pobre Anakee. Hora de pensar no plano B. Perguntei a algumas pessoas que estavam abastecendo qual o próximo município grande, me indicaram um tal de Rufino. A essas alturas, eu dividava que em "Rufino" fosse ter pneu pra moto grande, mas não tinha muita alternativa. Chegando em Rufino, parei novamente pra abastecer e constatei que dali não dava mesmo pra passar. Entrei na cidade, perguntei numa loja razoavelmente grande de pneus se tinha pneu pra moto. O cara fez uma careta desconcertante e disse que, se houvesse, seria numa loja que vende coisas pra moto há umas 8 quadras dali. Lá fui eu...

Cheguei na tal loja de moto, e a dita cuja parecia uma mercearia de sítio. Daquelas com tudo que é tipo de coisa pendurada e empoeirada. Entrei e perguntei em alto e bom portunhol: "Hola senhor. Tiene cubiertos? ". O velhinho que tava no balcão respondeu sem titubear: "Sí, claro! Que medida necessitas?". Achei que ele tava me gozando... olhei em volta e não vi um único pneu... mas tudo bem, passei a medida pra ele. Ele me fez sinal para acompanhá-lo. Abri caminho por entre caixas e mais caixas e, ao passar por uma portinhola, me senti como o Neo no primeiro Matrix, quando o Morpheus apresenta a ele aquele arsenal incontável de armas. Me vi no meio de uma sala lotada, forrada, indescritivelmente sortida com pneus de tudo quanto é tipo e tamanho. Em 30 segundos, saía da sala com um Pirelli novo em folha, made in Brazil, por sinal.

O próximo capitulo seria a troca do pneu. O mecânico, um rapazito quase do meu tamanho em altura e largura, extremamente bem intencionado, não tinha como tirar o pneu da roda. Precisava ir até aquela loja que vendia pneu de caminhão onde haveriam ferramentas apropriadas para a tarefa. Ele me perguntou se eu podia ir com ele, claro que eu disse que sim. Ele me deu um pneu (o que ainda estava na roda) e levou o outro. Saímos caminhando. Achei que íamos a pé... entretanto, chegando na esquina, o elemento literamente monta numa moto 125 cc, estilo CG, mas daquelas da década de 80, caindo aos pedaços, e fica olhando pra minha cara. Demorei alguns segundos pra entender o que estava acontecendo, mas pra resumir, montei na garupa do cidadão e lá fomos nós, a CGzinha cuspindo marimbondo com o esforço descomunal de arrastar pelas ruas de Rufino aqueles dois mastodontes. Até que foi divertido...

Quanto tiramos o pneu da roda vi que, realmente, e mais uma vez, eu dei muita sorte. O pneu Michelin n ao tinha mais que uma finíssima camada de borracha, da última camada do pneu, aquela interna que é onde o ar fica retido nos pneus sem câmara. Aquilo, provavelmente, estouraria em não mais que 20 quilômetros (e o próximo município depois de Rufino ficava 130 km adiante...). O fato pitoresco é que enquanto aguardava a troca do pneu, passa um autêntico João Cana Brava argentino montado numa bicicleta. Vê a moto e se encanta. Quer de todo jeito trocar a moto pela bicicleta. Pra finalizar, antes da despedida, segurando forte minha mão num cumprimento "emocionado", o pau de cana declama, emocionado, uns 5 minutos de algo que pareciam poesias portenhas, sem que eu, infelizmente, conseguisse entender uma única palavra. Apesar disso, a emoção do bebum parecia autêntica e era até bonito vê-lo declamando. Como eu não entendia patavinas, fiquei olhando pra cara dele com aquela cara de paisagem até que ele enjoasse da ladainha e seguisse o seu caminho. Mas que foi interessante, isso foi!

Troca feita, lá fui eu rumo a Rosário. Perto de Rosário, uns 50 km antes, passei por uma cidadezinha na margem da rodovia chamada Casilda. Resolvi entrar a procurar hotel por ali ao invés de ir até Rosário, pois lá, com certeza, eu perderia tempo considerável para entrar e sair da cidade. Na entrada, parei numa loja de motos e pedi pro mecânico checar a corrente, pois eu tava achando que tava meio frouxa. Ele disse que não, lubrificou a corrente e me indicou hotel. Quando saí pra ir pro hotel, um senhor em uma camionete me abriu caminho, deu sinal de luz, fez a maior festa. Agradeci, e segui pro hotel, umas 12 quadras distante dali. Quando paro no hotel, vejo que o senhor fez todo o caminho me seguindo. Ele desce da camionete, vem até mim sorrindo e se diz apaixonado por motos, diz que ele tem moto, o genro tem moto, o cunhado tem moto, o filho tem moto, é praticamente toda uma dinastia de motociclistas. Pergunta da moto, diz que nós brasileiros somos felizardos por termos motos grandes para comprar e ficamos uns bons 10 minutos num amistoso papo sobre motocicletas.

Encontro o hotel, saio pra mandar um Entrecot ao Roquefort que foi uma excelente pedida pra última noite de Argentina e durmo já sonhando com a chegada a Curitiba e mais dois ou tres dias...

ROTEIRO: Viedma - Baia Blanca - Pigué - Trenque/Lauquen - Rufino - Murphy (sim, é isso mesmo, lá deve ter nascido o tal da lei...) - Casilda
KM: 1027,48 km percorridos hoje - 10622,76 km percorridos no total

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